Há 75 anos…

Há 75 anos Orson Welles e o Mercury Theater apavoraram o planeta numa radiofonização memorável de A guerra dos mundos de H.G.Wells.

Essa transmissão mudou a compreensão do rádio como veículo e comprovou que o mundo estava mudando.

A primeira vez que ouvi, foi numa fita K7 que ganhei de presente de Tuio Becker. Já estava perdidamente apaixonada pelo rádio como possibilidade artística e isso me mobilizou ainda mais.

Quando escrevia minha tese de doutorado sobre a experiência radiofônica com alunos de teatro, meu amigo de adolescência e sábio do rádio, Eduardo Meditsch apresentou-me para inúmeras reflexões sobre o efeito deste acontecimento. Era o livro Rádio e Pânico 1.

Agora, ele organizou o Rádio e Pânico 2*, que tenho a honra de participar com um artigo e com a produção de nova versão da radiofonização. Um grupo de atores, um grupo de editores de som, o estúdio de rádio da PUCRS e uma experiência que muito nos honra.

Assim, não é incrível que em 1938, Welles e seu grupo já pudessem se utilizar de elementos que ainda hoje soam inovadores para nós? Aprendemos ainda uma vez mais a emoção do imaginado, de estar atuando sem ver o efeito, mas vislumbrando o toque do som, da voz, deste tempo no tempo do ouvinte.

75 anos depois continuamos aprendendo com Orson Welles. Apreendendo um saber sensível que vem da escuta, da musicalidade e desta estranha presença da performance radiofônica. Performance dos sons, das vozes e dos silêncios. História sempre disposta a se recontar.

20070418klplylliu_224-ies-sco*MEDITSCH, Eduardo. Rádio e Pânico 2. A Guerra dos Mundos, 75 anos depois. Florianópolis: Ed. Insular, 2013.

Ah, a humanidade ou um pequeno mundo imaginante

Para o blog do 20º Porto Alegre Em Cena

http://poaemcena.blogspot.com.br/2013/09/ah-humanidade-e-outras-boas-intencoes.html

Ah, a humanidade! E outras boas intenções por Mirna Spritzer

Num pequeno mundo imaginante

 

O que dizer quando se gosta muito, quando os atores são excelentes e fazem tudo acontecer em cena. Quando um texto te pega pela mão, coração e ideias. Quando eu penso que sim, gostaria de ter feito esta peça, poderia com prazer estar nesta cena, o que mais há para dizer?
Guilherme Weber e Murilo Hauser fizeram o projeto de encenação de Ah, a humanidade! E outras boas intenções. Murilo dirige, Guilherme atua com outros 4 atores. O texto do dramaturgo Will Eno, consegue ser atual e ousado sem abrir mão daquilo que o teatro pede: acontecer. Fazer das palavras e das circunstâncias, motivações para que palco e plateia vivam juntos alguma coisa que só acontece neste espaço, neste fluxo.
O cenário anuncia algo que já houve, uma hecatombe, uma catástrofe, nada está em seu lugar. Das ruínas surgem as cenas, os atos, os personagens. Falam, falam muito, querem ser ouvidos. Suas palavras pretendem dar conta do que não mais é possível. Ser humano e relacionar-se com as coisas e com os outros é tarefa para fortes.
O tom de tudo é isso é aquele delicado equilíbrio entre o trágico e o cômico. Quando rimos de nós e choramos por nós. O que mesmo é ficção? É um carro ou duas cadeiras? Vivemos num pequeno mundo imaginante. Imaginante? Qualidade de estar em imaginação?
Mais uma vez, a iluminação de Beto Bruel (como em Não sobre o amor) entra em cena para mostrar que é possível olhar as coisas por seu lado claro, mas também pela sombra. Há recortes infinitos de luz sobre os fatos e sobre as pessoas.
Cada um terá sua história preferida, entre as cinco que são apresentadas, mas todos seremos contaminados por este espetáculo que não me parece pré ou pós alguma coisa. Apenas é, hoje.
E o final, bom o final…
* Mirna Spritzer é atriz e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS

Zezé Mota, negra e encantadora melodia

Para o Blog do Porto Alegre Em Cena 2013

http://poaemcena.blogspot.com.br/2013/09/zeze-motta-por-mirna-spritzer.html

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Zezé Motta por Mirna Spritzer

 

Zezé Motta, negra e encantadora melodia
Iniciar com música as peripécias do Porto Alegre Em Cena é muito bom. A música entra de forma direta pelos nossos poros, pela nossa alma, não dando tempo para que a gente interfira muito nas sensações. Para quem, como eu, encantou-se com a ousadia de Zezé Motta como Xica da Silva, e acompanhou sua trajetória de atriz e artista engajada no melhor sentido que isto tem, vê-la em cena cantando Melodia e Macalé é um presente.
Se no início o ritmo ainda não parecia desenhar-se com clareza, como se palco e plateia estivessem se estudando para ver o que estava por vir, a partir do momento em que a atriz cantante confessa sua relação de amor e ódio com o traje, parece que todos respiram aliviados e se soltam. Zezé espalha-se pelo palco, ri, gargalha e encanta.
Uma voz profunda, visceral e ao mesmo tempo sob o domínio absoluto da intérprete, percorre a malemolência de Luiz Melodia e a crueza de Jards Macalé. Zezé sabe tudo dos dois e de si em suas canções.
Um espetáculo simples, de palco despojado abrigando um trio de músicos que sabe estar presente e deixar brilhar. É em Vapor barato, de Salomão e Macalé que atingimos o ápice do show. Ó sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer… Aí então não tem mais volta. Fomos abduzidos pelo sorriso aberto, pelo canto grave, pela presença sensual e plena de Zezé. Antes que ela própria se confessasse contente com o show, eu já havia pensado que ela estava completamente feliz de estar onde está. Ali é seu lugar no mundo. As músicas assim percorrem um caminho que a deixa cada vez mais enraizada, mais potente. Se alguém quer falar-me de amor que me fale

Pérola negra no bis, e o encerramento com Senhora liberdade fazem com que a gente saia do show com vontade de sair caminhando pela noite fria do Bom Fim, pensando em Abre as asas sobre nós, senhora Zezé Motta!

No território da emoção

Fazer a leitura de trechos de livros em seu lançamento é uma coisa que fiz inúmeras vezes. Adoro. E, sem modéstia, tenho na minha trajetória escritoras e escritores maravilhosos. José Saramago, Luiz Antonio Assis Brasil, Cintia Moscovich, Cláudia Tajes, Luiz Paulo Faccioli, Maria Carpi, Fabrício Carpinejar e tantos e tantas.

Adoro este exercício de equilíbrio. Ao ler, é preciso sempre ter em mente que o protagonista é o texto, o autor e suas palavras. E, ao mesmo tempo, criar algumas formas de abrilhantar as palavras e suas entrelinhas. Emprestar a minha vocalidade à voz do escritor.

Com Moacyr Scliar foram inúmeras obras. Em especial, A mulher que escreveu a bíblia e Saturno nos Trópicos. Tudo era muito bom, estar com ele, rir, vê-lo na escuta de si mesmo através da minha voz.  Após a sua morte, pude fazer isso de novo. Não tem a mesma graça, mas, talvez mais evidente, a necessidade de compreender seu ritmo e suas intenções.

Na última quarta, a convite da Judith Scliar, participei do lançamento da antologia de crônicas médicas, Território da Emoção. Encontrei no escritor-médico, a mesma humanidade, o humor e a forma de tramar as palavras.

Emoção. Amo as palavras. Amo as palavras na minha voz. Gracias, mais uma vez, Scliar.

Aí uma foto de uma vez em que estivemos juntos.

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