O que parecia já dado como sabido e decorado, precisa mais uma vez ser afirmado.
Em seu lindo movimento pela recuperação do espaço físico da Escola de Teatro da UFRGS, O Departamento de Arte Dramática, em especial as Salas Alziro Azevedo e Qorpo Santo, os estudantes de teatro se vêem confrontados com,” pra quê mesmo uma faculdade de teatro?” Ou, “Teatro não é tão necessário como Medicina, na Universidade”.
Pois frente à indiferença das autoridades universitárias em relação aos espaços decaídos, desconjuntados e entristecidos, essa gente se pôs na rua a dizer que não, que não será assim, que não bastará mais um ofício, circular ou memorando para que o teatro aconteça. Ou não aconteça.
Na semana que passou, acompanhei uma parte deste movimento numa performance chamada “lá vem o Chaves”, inspirada no personagem do seriado e que consistia em encostar no prédio do DAD e tomar um choque. Choque esse que seria transmitido a Cada um que se aproximasse.
E assim foi. Uma fila de gente tendo choque no meio da rua. E depois, caída no meio da calçada, exaurida.
Depois pensando nisso, entendi tudo. Teatro dá choque! Dá choque no mormaço, na mesmice, no apaziguamento. Teatro dá choque na gente, que faz em cima do palco e naqueles que fazem ao assistir.
Por quê? Porque o choque é ali na hora, não tem como fugir dele. É quando todo mundo respira junto, quando a gente sente as batidas do coração e as transforma em ação cênica. Quando dá vontade de rir ou de chorar mesmo sabendo que é tudo de mentira na outra vida, essa nossa de todos os dias, mas ali, entre aquelas pessoas, entre aqueles espaços é tudo de verdade.
Olha o Peter Brook: No teatro, toda a convicção ou encontra-se no presente, ou então não está em lugar algum. Por algumas horas é possível ir muito longe; podem acontecer experiências sociais que são muito mais radicais do que qualquer uma que um chefe de estado possa propor. Experiências utópicas que nunca veremos durante nossas vidas podem tornar-se reais dentro do breve espaço de tempo de um espetáculo; e submundos dos quais ninguém retornaria podem ser visitados com segurança. Junto com o público, podemos criar modelos temporários que nos relembrem as possibilidades que constantemente ignoramos. Um espetáculo pode transformar as palavras sobre uma vida melhor em uma experiência direta.
Há lugar mais adequado para o teatro do que a vida?
Há lugar mais adequado para o teatro do que uma universidade?
É ou não é um choque?
Lindo Mirna! Beijos em ti.
Além de buena onda, consegue traduzir em palavras aquilo que simplesmente sentimos. Lindo, Mirna.
Existe um problema de gestão acometendo a universidade? Não me parece que outros cursos enfrentem uma situação tão crítica dentro da UFRGS quanto as artes, em destaque nosso teatro. A negligência com que o DAD é “destratado” é o reflexo de uma chocante burrice que acomete vários setores de nossa sociedade. Os burocratas, dos quais estamos reféns, só atendem e entendem uma linguagem argentária focada em resultados econômicos. Se esquecem que artes e entretenimento hoje já movimentam cerca de 2 bilhões de dólares em nosso país, e sua geração econômica prevista será de um incremento exponencial a cada ano. Se não conseguimos despertar nossa reitoria para o fato de que arte,assim como filosofia são os maiores patrimônios humanos, pois a fruição é a marca de nossa espécie, podemos acenar-lhes com a cenoura desses números…talvez acordem.
É isso mesmo Mirna, teatro dá choque. Obrigada pelo registro e pelo choque. Também quero!
CENA ESCRITA EM 1982 no meu trabalho de Direção 6.
Cena escrita em 1982 no meu trabalho de direção 6.
CENA 8
O ACIDENTE
ALUNOS ESTÃO ENSAIANDO. ESCUTA-SE UM BARULHO.
NINA
Ai! Minha perna!!!
PAULO
Coitada, caiu da escada!!
NICO
O que é isso?
(Nina, Raquel e Paulo entram no palco, Nico, Plínio e Tita na escada..)
TITA
Está quebrada!
NICO
Madeira podre!
e
PLÍNIO
Só podia cair!
TITA
(Entrando..) Que loucura.
NINA
Tá caindo tudo e ninguém faz nada!
RAQUEL
Temos que tomar uma atitude!
PAULO
Interditar o prédio!
NICO
Ninguém mais entra!
PLÍNIO
É perigo devida estar aqui.
TITA
Vamos convocar uma assembléia.
NICO
Vamos fazer comissões… uma para colar cartazes, uma para o papel e outra para os pincéis…
PLÍNIO
Mas para que isso???
TITA
Pra se organizar.
PAULO
Vai ter mais comissões que gente!
RAQUEL
E um absurdo.
NINA
Vamos de aula em aula convocar o pessoal.
RAQUEL
Mas não é só por causa do prédio…
NINA
Claro que não, o ensino tá uma merda…
PLÍNIO
E tem mais, a proposta é de greve, não é, pessoal?
SAPO
É isso ai! Vamos lá!
PAULO
Vamos tomar a Escola.
REAÇÃO DE ESPANTO.
PAULO
Isso mesmo que vocês escutaram. Não agüento mais o descaso com o teatro. Esta Escola foi criada por Rugerro Jacobi e Gerd Borgnhen. O gerd foi expurgado. Um monte de professores foi para a rua e os alunos sustentaram a escola aberta. Agora é a nossa vez. Vamos tomar a escola. Eu sou vou sair daqui quando resolverem todos os problemas.
ALGUÉM
Pirou, cara, vai tomar a Escola e daqui a duas horas os homi tão aí quebrando tudo. Nós vivemos numa ditadura lembra?
PAULO
Eu vou ficar!
NINA
Eu estou contigo. Paulo, me orgulho de ser teu colega.
MARIANA
Eu também vou ficar.
ALGUÉM
Mas e tua família? O que é que vai dizer?
MARIANA
Eu vou decidir o que fazer comigo. Vou ficar.
TORQUATO
Estou nessa.
SAPO
Eu também.
PAULO
Também o quê?
SAPO
Também estou nessa.
PAULO
Vamos transformar o palco no nosso quartel general.
TORQUATO
Quem sabe a gente faz uma comissão…
TODOS REAGEM COM DESCRENÇA.
TORQUATO
Uma comissão pra falar com o Reitor. Quem vai??
ARLETE
(Entrando chapada enquanto os alunos posicionam o cartaz.) Que é isso?
PAULO
A escola está tomada pelos alunos.
ARLETE
Mas por que?
NINA
O CAD está caindo!
ARLETE
O CAD caindo é muito bom.
TORQUATO
Então, quem vai…
TODOS
Eu. Eu vou. Eu também…
ARLETE
Vai aonde??
TITA
Falar com o Reitor!
PAULO
Vamos brigar com o Reitor!
ARLETE
Essa eu não posso perder.
(Saem todos. Retornam, chegando na sala de espera.)
TORQUATO VELHO
Essa foi minha contribuição. Organizar uma comissão para enfrentar o poderoso Reitor. Na verdade falara aquilo para atrair a atenção de Raquel. Ela ficava ao lado de Paulo como se fosse a primeira dama. Pessoal caminhava na frente e eu via o Paulo ali comandando tudo, dominando tudo. Admirava a vivacidade da Nina, a coragem tímida da Mariana, a Tita enfrentando. Sapo tentava se organizar. E eu ainda junto. Tínhamos tomado um passo maior do que as nossas pernas e de uma repercussão que ainda não imagináramos, estava por vir.
CENA 9
A IDA AO REITOR
SECRETÁRIA
Sim?
PLÍNIO
Queremos falar com o Reitor!
SECRETÁRIA
Todos querem.
TITA
Nós somos alunos do CAD.
PLÍNIO
Ex-CAD, agora é DAD!
SECRETÁRIA
ECAD??
PAULO
Não, DAD! Departamento de Arte Dramática.
NINA
Da Universidade Federal do Rio Grande do Sul!
SECRETÁRIA
Ah, são alunos da UFRGS?
TODOS
Claro. Óbvio. Sim.
SECRETÁRIA
Podem sentar. (Ao interfone.) Senhor Reitor, tem uns alunos que querem falar com o Senhor.
REITOR
Alunos… de onde?
SECRETÁRIA
ECAD, CAD, alguma coisa com arte dramática, nem sei se é UFRGS.
REITOR
Arte Dramática?? (Procura na lista.) Ah.. é UFRGS sim. E como é que eles estão??
SECRETÁRIA
Muito mal-vestidos… sujos… tem um que é só cabelo!
REITOR
Estão drogados??
SECRETÁRIA
Não sei…
TITA
Tem fogo?
SECRETÁRIA
Vão fumar! Ah, é cigarro.
PLÍNIO
Deixei na sala.
REITOR
Diga que estou em reunião e não posso atender. Marque uma hora para eles.
SECRETÁRIA
Olha, o senhor reitor não vai poder atende-los porque ele está em reunião com o Cônsul do Japão. Mas vamos marcar uma horinha daqui… a noven¬ta dias.
NINA
Então vamos ficar em greve por mais noventa dias!
SECRETÁRIA
Greve? Sentem!! (Ao interfone.) Sr. Reitor… eles estão em greve!
REITOR
Danadinhos!! Mande entrar.
SECRETÁRIA
Ele não podia… mas vai dar um jeitinho e… podem ir passando… (Alunos entram. Reitor sentado numa cadeira de costas para o público. Fumaça so¬bre sua cabeça.)
REITOR
Bom dia, meus meninos!
SECRETÁRIA
Alguma coisa?
REITOR
Cafezinho para os universitários! (Secretária sai.) Qual é o problema?
NINA
Estamos em greve!
PLÍNIO
O prédio está caindo!
REITOR
E já fizeram greve só por causa disso?
PAULO
Ele acha pouco!
REITOR
Ora, sempre que precisarem venham aqui.
PLÍNIO
Por isso é que estamos aqui.
REITOR
Mas vocês se precipitaram, colocaram a carroça na frente dos bois. Querem ver como é fácil? Olhem só. (Ao telefone.) Alô… Setor de construções? Manda um engenheiro e dois carpinteiros lá no DAD… Departamento de…
ALUNOS
Arte Dramática!
REITOR
E evidente que é UFRGS, é ali na…
ALUNOS
Salgado Filho.
REITOR
Salgado Filho número…
TODOS
340!
REITOR
340!!!! O quê?? O carpinteiro não está? Só de tarde? Mas e o horário dele… Ah, fizeram um acordo… sim, sim… até logo. Viram meus meninos, viram como é fácil?? Se aproximem, se aproximem… vou lhes dizer uma coisa: eu sou louco por Teatro!
ALUNOS
Ah, é mesmo? Que maravilha. Imagina se não fosse!
REITOR
Quando eu era moço eu também fiz teatro.. .ganhei até uma menção honro¬sa que está pendurada na minha parede… Mas isso é coisa da juventude. Bem, agora vocês podem parar a greve. Está tudo sob controle!
(Alunos saem comentando, ao passar pela secretária.)
NINA
Eu não acredito!
PLÍNIO
(Para a secretária.) Cônsul do Japão, hein?